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O maior acidente: desastre de 1955

24 Heures du Mans ou Le Mans, como é mais conhecida, foi por muito tempo a principal corrida do mundo. Na década de 50, essa corrida recebia a mesma atenção do que toda a temporada de Formula1. No ano de 1955, este evento, considerado então o maior evento do ano, tinha alguns “temperos” a mais. O espírito nacionalista atingia seu ápice nas pistas de corrida quando os favoritos eram os carros da Jaguar e os da Mercedes, os flechas de prata.

Por ser uma prova de duração, as equipes grandes levavam mais de um carro, naquele ano essas duas equipes levaram 3 cada.

A Jaguar, que na época era uma pequena fábrica, já havia ganhado em 51 e 53, inflava o orgulho dos ingleses, que até hoje se consideram o país do automobilismo (com razão).

Do outro lado, a Mercedes, que teve sua fábrica destruída na Segunda Guerra Mundial (SGM), queria mostrar sua capacidade ao se reerguer de forma maiúscula (cabe aqui um elogio ao povo alemão por sua capacidade de se reconstruir).

Apesar do envolvimento direto dessas duas nações, havia outra que aguardava silenciosamente (OK, nem tanto) o desdobrar deste episódio, a França, os locais. O sentimento contra os alemães, proveniente da ocupação alemã durante a SGM, fez com que os locais somassem aos ingleses na torcida pela Jaguar, queriam ser vingados.

Mas havia um detalhe muito importante, que diminuía a chance dessa vingança acontecer, os pilotos.

A dupla principal da Mercedes era formada por Stirling Moss, na época uma estrela britânica em ascensão e o lendário Juan Manuel Fangio. O francês de 55 anos, Pierre Levegh formava dupla com John Fitch em outra Mercedes.

A melhor dupla da Jaguar, era formada por Mike Hawthorn, um piloto que farreava até tarde da noite e na manhã seguinte estava pilotando, de gravata borboleta, diga-se de passagem. Seu companheiro era Ivor Bueb, que em nenhuma condição estaria se quer perto do nível dos três anteriores. Sabia-se que mesmo que Mike conseguisse ficar na frente e abrir certa vantagem, quando passasse o carro para Ivor, Moss recuperaria a vantagem facilmente. O time inglês precisava pensar em algo.

Chegaram à conclusão de que o único jeito de vencer seria pela resistência. A estratégia então, foi mandar Hawthorn andar o mais rápido possível, para forçar Fangio a fazer o mesmo, possivelmente estourando seu motor no caminho. Hawthorn carregava algo a mais consigo, uma doença no fígado, que como ele sabia, lhe cobraria a vida em poucos anos.

Melhor visualizado aqui.

A falta de segurança nas corridas da época aumentava o risco intrínseco à missão de Mike Hawthorn. Os pilotos, por exemplo, preferiam não usar cinto de segurança, uma vez que achavam mais seguro ser arremessado para fora do carro do que permanecer no mesmo. Naquele ano, os carros já alcançavam 300 km/h.

Para proteção do público, que naquele dia era de mais de 300 mil pessoas, havia pequenas cercas brancas, pequenas para não atrapalhar a visibilidade.

A corrida começa. Juan “El Maestro” Fangio larga mal, pois sua calça fica presa na manopla do câmbio, Mike não tem o mesmo azar e se mantém entre os primeiros.

Os dois pilotam como se fosse uma corrida de 2 horas ao invés de uma prova de longa duração, abrindo meia pista de vantagem para o terceiro colocado. A disputa se desenha como “a poderosa Mercedes” contra “a inquebrável Jaguar”, e a estratégia inglesa segue como planejado.

“Naquele dia, Mike conseguiu igualar a capacidade de pilotar de Fangio”

Disse Norman Dewis, um dos pilotos da Jaguar naquela corrida.

Os dois seguiam quebrando o record da pista, volta após volta.

Aquela disputa, na verdade, era uma batalha entre Davi e Golias. Enquanto a Mercedes 300 SLR foi projetada por uma série de engenheiros em uma das maiores fábricas do mundo, o D-Type Jaguar era construído por 14 homens no interior da Inglaterra.

A 300 SLR utilizava liga de magnésio em sua estrutura, leve e resistente. Usava um motor de Formula1 3.0 de 8 cilindros, relativamente pequeno comparado aos outros carros que competiam em Le Mans. Mas algumas modificação o deixaram com 310 HP, muito para o seu tamanho.

O Jaguar D-Type tinha um motor de 4.1, com 295 HP.

A Jaguar não tinha a mesma estrutura ou dinheiro que a Mercedes, mas por sua reputação, conseguiu atrair os engenheiros mais criativos da época. A vantagem do D-Type era sua aerodinâmica e seus freios a disco, enquanto os alemães utilizavam os pesados e menos eficazes freios a tambor. Além disso, os freios da Mercedes eram mais propensos a esquentar e falhar ao longo da corrida.

A solução encontrada era algo radical. Usar o ar para frear. O piloto apertava um botão, e parte traseira da carenagem se erguia, conduzindo ar aos freios e freando aerodinamicamente.

A corrida segue com intensa disputa entre Hawthorn e Fangio. Estima-se que já haviam trocado de posição mais de 12 vezes.

Com 2 horas e meia de corrida, eles já estão quase colocando uma volta no 3º colocado, Pierre Levegh, número 20. Mike estava na ponta, com Fangio a menos de 2 segundos atrás. Entrando na grande reta (mais de 6 km), Hawthorn ultrapassa Levegh e Macklin (que pilotava um consideravelmente mais lento Austin-Healey 100) e começa a desacelerar para seu reabastecimento. O Jaguar de Hawthorn, equipado com freios a disco, reduz a velocidade muito mais rápido que os carros que vinham atrás. O resultado foi um desastre na parte do circuito com maior concentração de pessoas.

Melhor visualizado aqui.

Por muitos anos, acreditou-se que não havia nenhum registro do acidente que fosse capaz de demonstrar o que realmente aconteceu. Em 2009, porém, o jornalista e biógrafo de Mike Hawthorn, Paul Skilleter, decidiu compartilher seu arquivo. Uma série de fotos em particular, que oferecem uma perspectiva única do acidente. Colocadas em seqüência, é possível perceber o acontecido.

Melhor visualizado aqui.

Após assumir a culpa pelo acidente (o que negaria semanas depois), Hawthorn levou o D-Type #6 à vitória, depois que a Mercedes resolveu se retirar da prova em respeito a Levegh. A retirada da equipe alemã, entretanto, só se deu 8 horas após o acidente multiplamente fatal.

Como conseqüência, Mercedes abandonou as competições por mais de 30 anos. A equipe de corrida da Jaguar foi fechada meses depois, não retornando a Le Mans como equipe de fábrica por mais de 30 anos.

Essa tragédia causou a revisão de vários circuitos em todo mundo, visando diminuir os riscos.

Suíça, França e Alemanha baniram as corridas de seus territórios. Essa decisão, entretanto, só se manteve na Comunidade Helvética, onde até hoje não se pratica automobilismo. O motivo já não é segurança, mas sim ambiental.

Fangio nunca mais correu em Le Mans e 3 anos depois, se aposentou.. John Fitch continuou pilotando, mas ficou obcecado com segurança nas estradas. Suas invenções salvaram centenas de milhares de pessoas. O uma vez calmo Mackland, se tornou amargo e processou Hawthorn por calúnia. Mike Hawthorn, três anos depois, se tornou campeão de Formula1, se aposentando logo depois. Morreu em seguida, ao tentar ultrapassar um carro enquanto estava bêbado. O carro no seu caminho, era uma Mercedes.

Este post na verdade é um resumo do documentário “Deadliest Crash: The Le Mans 1955 Disaster”. Os videos foram tirados do mesmo e quem quiser assistir na íntegra, pode fazer o download do arquivo, dividido em 5 partes:

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

  1. Luiz Sergio
    27/04/2010 às 18:43

    Pela tragédia da para compreender a Mercedes Benz ter ficado tanto tempo fora das corridas.

  2. Allan Wiese
    26/04/2010 às 17:55

    Ficou faltando um bom pedaço da história…

    • KBK
      26/04/2010 às 18:11

      Verdade. Publiquei esse “rascunho” sem querer, ainda falta arrumar alguns detalhes, mas não posso contar toda a história aqui. =)
      Já explico mais no post.
      Edit: inteiro agora!

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